terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Marrakech, a cidade vermelha

Na viagem para o Marrocos (saindo de Barcelona) podemos notar uma nítida diferença. O agente alfandegário é sorridente e simpático. Por que seria? Nem posso imaginar... Começo a perceber pessoas vestidas de maneira muito peculiar. Mulheres com apenas os olhos aparentes, um olhar enigmático.
A paisagem muda com o passar do tempo. Primeiro o mar mediterrâneo de uma beleza estonteante. Depois paisagens verdes e por último o deserto. Alguns vilarejos lá embaixo e começamos a imaginar como deve ser morar no meio do nada.
Inicia-se a descida, avisos de sempre. Dá para entender o motivo de ser chamada de cidade vermelha. Tudo é vermelho! Não há prédios altos, exceção são os minaretes que são as torres presentes em cada uma das mesquitas.
Entrar no Marrocos é um pouco complexo. Desde a compra da passagem é necessário fornecer o número de seu passaporte e ao chegar é preciso preencher um enorme formulário com diversas informações. No final me pareceram apenas formalidades sem grande importância.
Novamente a recuperação das malas e desta vez a coisa foi muito rápida. Saio da área restrita, plaquinhas para todos os lados… Peraí, Claudio Motta sou eu! Vocês acreditam nisso? Tinha uma plaquinha com meu nome. É bem verdade que contratei o translado junto ao hotel, mas foi legal a sensação.
Ao sair do aeroporto, muito moderno e bonito, a sensação de estar entrando numa sauna foi imediata. Fui informado que naquele dia o clima estava mais ameno, apenas 40 graus Celsius.


Ahmid, o marroquino que me esperava foi bastante simpático. Levou-me até o estacionamento onde existiam uns 100 táxis, todos mercedes bege.


Durante o caminho foi explicando que a cidade é toda vermelha, pois a tinta é proveniente de um terreno específico da região. A Medina, local onde eu ficaria, era a cidade antiga e murada. Tudo que estivesse para fora dos muros era a cidade nova com forte influência francesa.


Quando entramos na Medina, o cenário me chamou a atencão. Ruas muito estreitas que eram divididas por pedestres, carros, motos (número infinitamente maior que na avenida Paulista em horário de pico), bicicletas e carroças puxadas por burros. Balak! Balak! Balak! Aprendi rapidamente que quando ouvisse essas palavras deveria sair imediatamente da frente. Eles não param por nada no mundo!
Ainda no caminho perguntei coisas básicas para Ahmid: Posso fotografar? Algo que não devo fazer? É seguro andar sozinho? Devo evitar sair à noite? Respondeu que tudo tranquilo, mas me alertou que se tirasse foto de alguém especificamente, provavelmente seria cobrado por isso ou obrigado a apagar a foto. Boa dica essa!
Em certa altura, tivemos que prosseguir a pé. Comecei a entrar no mundo árabe. O cheiro é característico e não estou brincando. Sente-se o odor de especiarias, odores fortes e marcantes por quase todos os locais. A música também é muito presente. Bem parecido com aqueles filmes em que a música nunca pára. A única coisa que me incomodou um pouco foi a sensação de estar sendo obervado e falarei sobre isso oportunamente.
A chegada ao hotel não foi nada animadora. Pensei em voltar. Era um beco escuro, quase um túnel. Por alguns segundos fiquei imaginando: Como fui me meter nessa? Ao passar pela porta de entrada foi como se estivesse num oásis no meio do deserto. Que bela escolha eu tinha feito! Fui recepcionado com biscoitos e chá de menta. Dica: Nunca recuse um chá de menta oferecido por um marroquino. Grande ofensa! O fato dos quartos não terem chaves me deixou meio receioso, mas parece ser o costume em todos os riads (hotéis de dentro da Medina onde sempre há uma fonte e árvores no seu interior).






Ganhei um mapa e pronto! Estava apto a conhecer a cidade. Mais uma dica da Nádia (recepcionista do hotel):
- Seja discreto! Estamos no Ramadã (período em que os muçulmanos fazem jejum desde o nascer do sol até o seu poente) e apesar de você não precisar fazer o jejum não precisa ficar comendo ou bebendo na frente de todos.
Realmente o aroma pelas ruas associado à música sempre constante gera um ambiente diferente de todos em que já estive.
Bastou sair do hotel e entrar no labirinto dos souks (mercados) para eu me sentir totalmente sem direção. É tudo igual e qualquer deslize estará do outro lado da cidade.


Consegui chegar à praça Djemaa-el-fna (praça da morte, pois lá ocorriam as execuções no passado) e ela parecia um teatro a céu aberto. Músicos, dançarinos, dentistas, encantadores de serpentes, macacos amestrados, tatuadoras de henna… Cada um querendo minha atenção e principalmente meus dirhams (moeda do Marrocos).






A cada passo que dava ficava mais fascinado, porem a miséria do povo também é bem nítida. Nada que seja muito diferente de nossas periferias. Por todos os cantos o retrato do Rei.
Ao retornar ao hotel na primeira noite, aconteceu o inevitável. Completamente perdido! Tentar entender o mapa naquele momento parecia uma piada sem graça. Eis que surge um simpático marroquino (todos eram simpáticos) se oferecendo para me ensinar o caminho. Na inocência, credulidade infantil e desespero aceitei. Não fosse o dono do hotel estaria enrascado. O simpático marroquino tornou-se atrevido e algo nervosinho.
- Mon ami, te trouxe até aqui (me conduziu por uns 2 minutos) você precisa me pagar!
Queria uma fortuna! A intervenção do senhor do hotel foi salvadora. Já tinham 3 outros marroquinos falando que eu teria que pagar mesmo. Pagou o que achava justo e mandou o cidadão sair. Saiu xingando em árabe (pelo menos era num tom de xingamento). Recebi instruções de como proceder nestes casos, mas tive a certeza que sempre estava sendo observado. Qualquer sinal de dúvida da minha parte alguém surgia para ajudar.
Várias vezes ao dia ouvíamos orações que vinham de todas as mesquitas num tom bastante melancólico e hipnotizante. A sensação era bastante estranha. Talvez não fosse o único a sentir isso já que todos os turistas se olhavam e o silêncio tomava conta do lugar.
Certo dia resolvi seguir um marroquino até o curtume. Falei que não tinha dinheiro.
- Não se preocupe estava indo para lá mesmo.
Percebi que estávamos saindo da rota de turistas e comecei a ficar preocupado. Na minha cabeça lembrei de algo da minha infância: Falta muito papai Smurf? Chegando ao nosso destino me apresentou o responsável, desejou boa sorte, me ofereceu um ramo de hortelã e partiu. Nem comentou sobre algum trocado. Estranho... O responsável me mostrou todas as instalações, explicou todo o processo.


Para finalizar disse que me levaria até o local onde estaria toda a produção do curtume. Deveria ter partido aí… O local era uma loja de peças de couro. Quando entrei a porta se fechou em minhas costas e agora estávamos eu e dois marroquinos que falavam em árabe entre si. O primeiro era um senhor alto e forte, bigode volumoso e um olhar amedrontador. O Segundo era mais franzino, bigodudo e parecia ser totalmente comandado pelo primeiro. Senti um frio na barriga e entreguei meu destino a Deus. Perderia minha câmera, mochila e uma garrafa de água, mas paciência… Para piorar me ofereceram um chá de menta! Pensei em recusar, mas lembrei das palavras da recepcionista do hotel:
- É uma ofensa recusar chá de menta!
Bom, agora além de câmera, mochila e garrafa de água, provavelmente perderia meu rim e acordaria no dia seguinte numa banheira cheia de gelo. Pensei que nem sempre devemos agradar aos outros e respondi de maneira bem convincente:
- Lógico, adoro chá de menta!
Após longos minutos de discussão, acabei comprando 2 bolsas de couro por menos da metade do preço que haviam pedido (de 2.000 dirhams consegui por 600 dirhams – 11 dirhams equivalem a 1 euro). Transação terminada a porta se abre e quem encontro na rua a me esperar? Os dois simpáticos marroquinos que armaram para mim. Agora sim desejavam seu pagamento. Olhar fulminante para eles enquanto iam surgindo outros indivíduos que falavam que eu tinha que pagar mesmo… Sempre a mesma história!


Os aromas, a música, a arquitetura, vestimentas, aprender a lidar com o povo, tudo me fascinava cada vez mais…


No final do dia, eu, um quase veterano, observava do alto de um café os turistas serem coagidos a pagar por fotografias ou coisas do tipo. Nem todos tinham os mesmo conselhos e dicas. Dava pena de alguns. Olhavam para seus parceiros quase a implorar por alguma solução e no final acabavam pagando…
Comi todas as noites em restaurantes locais e tudo era maravilhoso. Bastava não lembrar de como os produtos eram vendidos no mercado. É bem verdade que evitei as carnes e água só mineral.


No momento da partida a sensação de que poderia ter ficado mais. Ficou a promessa do retorno... Até breve Marrakech!

5 comentários:

  1. Menino, nao conhecia esta tua veia de escritor!!!! Viajei com voce e adorei a viagem!!!!!

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  2. Oi Claudio,
    Vi que vc visitou o nosso blog e inclusive nos linkou. Muito obrigada!
    E vimos tb que conheceu Marrakech, cidade que nós adoramos! Temos um post tb sobre esse destino, vc viu?
    Gostei muito deste seu post, transmite perfeitamente o ambiente e magia da cidade!
    Um grande abraço,
    Sut-Mie

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  3. Pois é Sut-Mie.
    Adorei Marrakech e pretendo voltar. Quanto ao seu blog, achei fantástico e acabei de aproveitar suas dicas sobre Lisboa. Neste momento estou em Barcelona com minha pequena...
    Abraço.

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  4. Oi Cláudio. Gostei muito de seus comentários sobre Marrakech. Iremos em setembro para o Marrocos e faremos um tour pelas cidades imperiais marroquinas. Ficaremos atentos aos "gentis amigos".
    Valeu!
    Elizabeth.

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  5. Olá Elizabeth!

    Nada que estrague a experiência, mas não dê moleza para eles...

    Abraço.

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